A dívida externa é excessiva e é um risco para o país. No final de março de 2019, a posição de investimento internacional líquido de Portugal, que mede a sua dependência financeira externa, era de -205 000 M€, ou -101% do PIB. Melhor do que em março de 2014 em comparação com o PIB (-122% do PIB), mas um máximo em termos nominais. O grosso destes passivos já não é a banca mas sim as administrações públicas (-128 mil milhões) e as sociedades não-financeiras (-107 mil milhões).
Ao mesmo tempo, o juro da dívida pública pesa excessivamente: Portugal terá gasto 3,9% do PIB em despesa com juros em 2017, cerca de 8 400 M€ em contabilidade pública, e 7 126 M€ em 2018. É necessário reduzir essa despesa. O Bloco apresenta um plano de reestruturação que permite poupanças de cerca de 2 000 M€/ano.
Essa será uma das componentes mais importantes para permitir a reposição do nível de investimento público que foi indicada.
A solução que nos propõem é não fazer nada, a não ser ajustamentos ocasionais por via de operações de troca de títulos, ao mesmo tempo que recomendam a aceitação das exigências do FMI e da Comissão Europeia no sentido de alongar o prazo médio de maturidades da dívida pública, para assim dar garantias suplementares aos credores e agências financeiras. A maturidade residual média da dívida pública portuguesa é de 8,1 anos, em resultado dos empréstimos de longo prazo das instituições europeias e, assim, Portugal é dos países com maior maturidade residual média da sua dívida pública. Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma dívida de longo prazo cara e um stock de dívida elevado.
Acresce que o governo PS tomou algumas medidas que agravam estes riscos. Na sequência de viagens do Primeiro Ministro e do Ministro das Finanças à China, foi anunciada a decisão de emitir dívida pública em moeda chinesa, os panda bonds, apesar de o Estado se conseguir financiar a taxas de juro muito mais baixas em euros, numa decisão cujos motivos parecem ser de ordem política e não económica ou financeira. A decisão tem impacto financeiro desfavorável para o país. O Estado não deve emitir dívida em moeda estrangeira, por regra.
Outra negociação conduzida pelo governo foi com o FMI: ao antecipar o pagamento desta dívida – o que se justificava considerando o juro elevado que envolvia -, o governo aceitou condições prejudiciais, como submeter próximas emissões de obrigações a prazos alargados, em vez de beneficiar dos juros negativos em prazos mais curtos.
Assim, beneficiando sobretudo do programa de emissão monetária pelo BCE desde 2016 e se não surgirem novas dificuldades, a gestão de dívida que o governo tem seguido poderá permitir uma ligeira redução do valor presente da dívida pública e da externa para 100% e 79% do PIB (a partir dos valores presentes de 11,8% e 84%, respetivamente).
Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma dívida de longo prazo cara e um stock de dívida elevado.
A proposta apresentada pelo grupo de trabalho, com a assinatura do Bloco (e também do PS, que a renegou), definia uma reestruturação da dívida pública portuguesa detida por instituições oficiais, com a redução da taxa de juro para 1% e um prazo de 60 anos, com um efeito de abatimento do valor atualizado do stock da dívida em cerca de 52 mil milhões de euros e uma redução da despesa em juros em cerca de 700 M€/ano.
Conjugada com as restantes medidas atrás enunciadas, estas propostas melhorariam a balança de rendimentos em 2 228 M€ em 2020 e em valores dessa ordem nos anos seguintes.
Sabendo que as taxas de juro das obrigações da República já são em meados de 2019 de 1,4% e 1,8% a 20 e a 30 anos, é possível uma negociação ainda mais ambiciosa, por exemplo para se alcançar uma redução de 37,5 pontos percentuais do rácio da dívida pública, para 84% do PIB, com uma taxa de juro de referência de 0,5% e um prazo alargado a 90 anos. O nível da dívida externa líquida reduzir-se-ia para 71,6% do PIB.
A Islândia nacionalizou em 2008, no início da crise financeira internacional, um banco falido, o Landsbanki. Mas não incluiu o seu ramo estrangeiro, Icesave, pelo que muitos depósitos, em particular de residentes na Holanda e Reino Unido, que tinham utilizado aquele banco na expectativa de juros e benefícios elevados, foram perdidos. A Holanda e o Reino Unido exigiram então uma compensação para esses depositantes, e o primeiro-ministro inglês chegou mesmo a utilizar a legislação anti terrorista para confiscar bens islandeses.
Mas a Islândia decidiu usar o controlo de movimentos de capitais e recusar aquele pagamento. Para os e as contribuintes islandeses, não fazia sentido aceitar como dívida pública os prejuízos de bancos privados e sacrificarem-se com um aumento de impostos para pagar a conta. Houve então um referendo e a população decidiu rejeitar o pagamento e não reconhecer aquela dívida. A Islândia foi mesmo o único país em que banqueiros foram julgados e presos.
O Tribunal Europeu recebeu um apelo dos governos holandês e britânico no sentido de impor a punição e o pagamento à Islândia e rejeitou-o. Este é um exemplo de como o público pode rejeitar o pagamento de uma dívida privada.
Mais recentemente, uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça, em novembro de 2018, no caso Kuhn, comprovou que um Estado pode, se necessário, proceder a cortes unilaterais a dívida que esteja sob alçada da jurisdição nacional, sem que seja possível recorrer a tribunais internacionais como sede de resolução do conflito com os credores. Fica, portanto, confirmado que, se uma reestruturação de dívida pública sob jurisdição nacional não é alcançada por acordo, existe o direito legal da sua imposição pelo Estado.