Como financiar a criação de emprego, o aumento do investimento e a reconversão energética

C. Como financiar a criação de emprego, o aumento do investimento e a reconversão energética

Como indicámos, as medidas públicas incluídas neste programa exigem a reposição de um nível de investimento público de 5% do PIB, ou de cerca de 10 000 M€, o dobro do atualmente previsto. Demonstrámos nesta secção como pode ser financiado esse montante, no contexto de uma política orçamental prudente que responde às necessidades fundamentais.

2.8. Reestruturação da dívida para reduzir a despesa em 2 000 M€/ano

O problema:

A dívida externa é excessiva e é um risco para o país. No final de março de 2019, a posição de investimento internacional líquido de Portugal, que mede a sua dependência financeira externa, era de -205 000 M€, ou -101% do PIB. Melhor do que em março de 2014 em comparação com o PIB (-122% do PIB), mas um máximo em termos nominais. O grosso destes passivos já não é a banca mas sim as administrações públicas (-128 mil milhões) e as sociedades não-financeiras (-107 mil milhões).

Ao mesmo tempo, o juro da dívida pública pesa excessivamente: Portugal terá gasto 3,9% do PIB em despesa com juros em 2017, cerca de 8 400 M€ em contabilidade pública, e 7 126 M€ em 2018. É necessário reduzir essa despesa. O Bloco apresenta um plano de reestruturação que permite poupanças de cerca de 2 000 M€/ano.

Essa será uma das componentes mais importantes para permitir a reposição do nível de investimento público que foi indicada.

A solução do PS e da direita:

A solução que nos propõem é não fazer nada, a não ser ajustamentos ocasionais por via de operações de troca de títulos, ao mesmo tempo que recomendam a aceitação das exigências do FMI e da Comissão Europeia no sentido de alongar o prazo médio de maturidades da dívida pública, para assim dar garantias suplementares aos credores e agências financeiras. A maturidade residual média da dívida pública portuguesa é de 8,1 anos, em resultado dos empréstimos de longo prazo das instituições europeias e, assim, Portugal é dos países com maior maturidade residual média da sua dívida pública. Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma dívida de longo prazo cara e um stock de dívida elevado.

Acresce que o governo PS tomou algumas medidas que agravam estes riscos. Na sequência de viagens do Primeiro Ministro e do Ministro das Finanças à China, foi anunciada a decisão de emitir dívida pública em moeda chinesa, os panda bonds, apesar de o Estado se conseguir financiar a taxas de juro muito mais baixas em euros, numa decisão cujos motivos parecem ser de ordem política e não económica ou financeira. A decisão tem impacto financeiro desfavorável para o país. O Estado não deve emitir dívida em moeda estrangeira, por regra.

Outra negociação conduzida pelo governo foi com o FMI: ao antecipar o pagamento desta dívida – o que se justificava considerando o juro elevado que envolvia -, o governo aceitou condições prejudiciais, como submeter próximas emissões de obrigações a prazos alargados, em vez de beneficiar dos juros negativos em prazos mais curtos.

Assim, beneficiando sobretudo do programa de emissão monetária pelo BCE desde 2016 e se não surgirem novas dificuldades, a gestão de dívida que o governo tem seguido poderá permitir uma ligeira redução do valor presente da dívida pública e da externa para 100% e 79% do PIB (a partir dos valores presentes de 11,8% e 84%, respetivamente).

Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma dívida de longo prazo cara e um stock de dívida elevado.

O Bloco propõe:

  • O Bloco de Esquerda assinou com o Grupo Parlamentar do PS as recomendações do relatório do Grupo de Trabalho da Dívida Pública de abril de 2017. O Bloco mantém a sua palavra, propondo, na sequência desse relatório:
  • 1) Medidas de ajustamento:

  • Reduzir a dimensão da almofada financeira das administrações públicas, concentrando fundos no Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP). Utilizar disponibilidades da almofada financeira para reduzir o nível de dívida pública em cerca de 10 pontos percentuais do PIB;
  • Aumento do nível de emissões de Bilhetes do Tesouro para reduzir a maturidade residual média da dívida pública portuguesa para menos de 6 anos;
  • Eliminação do conceito de provisões para riscos gerais do Banco de Portugal, através da alteração do seu plano de contas do Banco de Portugal;
  • Compra permanente no mercado de dívida do próprio Estado a preços mais baixos, manipulando o preço da dívida e assim influenciando a taxa de juro;
  • Manutenção da política adotada entretanto pelo Banco de Portugal no sentido de reduzir as suas provisões e entregar ao acionista (Estado), sob a forma de dividendos, os lucros obtidos com a dívida pública portuguesa e redistribuídos pelo BCE.
  • 2) Regras estruturais para a operação do IGCP:

  • Exigir a apresentação de cenários alternativos ou decisões alternativas e apresentação dos cálculos do valor atual líquido das operações de gestão de dívida, recorrendo a taxa de desconto adequadas;
  • Não realizar emissões de dívida em moeda estrangeira;
  • Obrigar ao depósito dos fundos do IGCP no Banco de Portugal ou no Bank of International Settlements;
  • Definir plano de contingência para situações de instabilidade e pânico no mercado de dívida pública português. Em situação de crise financeira, deve vender ativos estrangeiros (e.g., títulos de dívida pública de países da zona euro ou dívida dos EUA) e utilizar os fundos para recomprar dívida pública a desconto.
  • 3) Um programa ousado de amortização e troca de títulos de dívida

  • O Banco de Portugal tem cerca de 3 500 M€ de provisões acumuladas. Parte significativa deste valor, que é excessivo face aos riscos cobertos, deve ser distribuída ao acionista na forma de dividendos e usada para amortizar dívida pública.
  • 4) Reestruturação da dívida

  • A proposta apresentada pelo grupo de trabalho, com a assinatura do Bloco (e também do PS, que a renegou), definia uma reestruturação da dívida pública portuguesa detida por instituições oficiais, com a redução da taxa de juro para 1% e um prazo de 60 anos, com um efeito de abatimento do valor atualizado do stock da dívida em cerca de 52 mil milhões de euros e uma redução da despesa em juros em cerca de 700 M€/ano.

    Conjugada com as restantes medidas atrás enunciadas, estas propostas melhorariam a balança de rendimentos em 2 228 M€ em 2020 e em valores dessa ordem nos anos seguintes.

    Sabendo que as taxas de juro das obrigações da República já são em meados de 2019 de 1,4% e 1,8% a 20 e a 30 anos, é possível uma negociação ainda mais ambiciosa, por exemplo para se alcançar uma redução de 37,5 pontos percentuais do rácio da dívida pública, para 84% do PIB, com uma taxa de juro de referência de 0,5% e um prazo alargado a 90 anos. O nível da dívida externa líquida reduzir-se-ia para 71,6% do PIB.

Sim, é possível

A Islândia nacionalizou em 2008, no início da crise financeira internacional, um banco falido, o Landsbanki. Mas não incluiu o seu ramo estrangeiro, Icesave, pelo que muitos depósitos, em particular de residentes na Holanda e Reino Unido, que tinham utilizado aquele banco na expectativa de juros e benefícios elevados, foram perdidos. A Holanda e o Reino Unido exigiram então uma compensação para esses depositantes, e o primeiro-ministro inglês chegou mesmo a utilizar a legislação anti terrorista para confiscar bens islandeses.

Mas a Islândia decidiu usar o controlo de movimentos de capitais e recusar aquele pagamento. Para os e as contribuintes islandeses, não fazia sentido aceitar como dívida pública os prejuízos de bancos privados e sacrificarem-se com um aumento de impostos para pagar a conta. Houve então um referendo e a população decidiu rejeitar o pagamento e não reconhecer aquela dívida. A Islândia foi mesmo o único país em que banqueiros foram julgados e presos.

O Tribunal Europeu recebeu um apelo dos governos holandês e britânico no sentido de impor a punição e o pagamento à Islândia e rejeitou-o. Este é um exemplo de como o público pode rejeitar o pagamento de uma dívida privada.

Mais recentemente, uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça, em novembro de 2018, no caso Kuhn, comprovou que um Estado pode, se necessário, proceder a cortes unilaterais a dívida que esteja sob alçada da jurisdição nacional, sem que seja possível recorrer a tribunais internacionais como sede de resolução do conflito com os credores. Fica, portanto, confirmado que, se uma reestruturação de dívida pública sob jurisdição nacional não é alcançada por acordo, existe o direito legal da sua imposição pelo Estado. 

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