Medidas fiscais para combater abusos e repor a igualdade

2.10 Medidas fiscais para combater abusos e repor a igualdade

Um sistema fiscal justo e eficaz no combate à fraude e à evasão fiscal é essencial para dotar o Estado dos recursos necessários ao investimento nos serviços públicos e na criação de emprego. Mas é também um poderoso instrumento de política económica e redistributiva que pode inverter o atual processo de concentração de riqueza, aliviando a carga fiscal sobre o trabalho, combatendo o privilégio fiscal das grandes empresas, das atividades especulativas e das grandes fortunas.

Portugal precisa de uma reforma fiscal que cumpra simultaneamente estes objetivos. As propostas apresentadas pelo Bloco dividem-se em três grupos: i) justiça e progressividade fiscal, com vista ao desagravamento dos impostos sobre o trabalho e bens essenciais, por contrapartida a formas mais eficazes de taxação das grandes fortunas; ii) tributação das grandes empresas e atividades especulativas, de forma a reverter o desagravamento fiscal histórico sobre os rendimentos de capital e penalizar as atividades puramente especulativas, em particular as que afetam o direito habitação; iii) combate à evasão fiscal e à despesa fiscal injustificada, com a revisão de benefícios e regras fiscais abusivas.

Um sistema fiscal justo e eficaz no combate à fraude e à evasão fiscal é essencial para dotar o Estado dos recursos necessários ao investimento nos serviços públicos e na criação de emprego.

2.10.1. Justiça e progressividade fiscal

As recomendações da OCDE

Em abril de 2018 a OCDE publicou um estudo sobre taxação de riqueza. O relatório aponta a crescente concentração de riqueza nas últimas décadas, que supera até a desigualdade de distribuição de rendimentos, sublinhando o poder de multiplicação da acumulação de riqueza e, consequentemente, se não for contrariado, o mais que provável aumento dessa concentração. Para lidar com estes problemas, a OCDE argumenta que uma das formas mais eficazes é mesmo o sistema fiscal.

Aponta então duas formas de aumentar a justiça fiscal: 1) uma combinação entre impostos sobre sucessões e doações e impostos progressivos sobre rendimentos de capitais; ou 2) um imposto sobre a riqueza global.

A OCDE defende, preferencialmente, a primeira apontando a justiça da progressividade do imposto sobre os rendimentos de capital, até porque são as pessoas mais ricas que mais tendem a ter estes rendimentos e a tê-los em maior valor, e, por outro lado, o facto das heranças serem um ganho obtido sem esforço pessoal, sublinhando até o aspecto técnico do imposto sucessório, ao taxar riqueza já acumulada no passado não ter qualquer efeito distorcivo.

O Bloco propõe:

Introduzir o englobamento obrigatório dos rendimentos para efeitos de IRS, acabando com a dualidade atualmente existente em que só os rendimentos do trabalho e pensões são taxados de forma progressiva. Desta forma, também os rendimentos de capitais, prediais e outros passariam a ser tributados progressivamente, de acordo com o nível de rendimentos do sujeito passivo;

O englobamento traz mais rendimento os de baixo e mais justiça fiscal

Este englobamento deve abranger prioritariamente os rendimentos prediais e de capitais, a que se aplica hoje uma taxa liberatória de 28%. Esta medida aumentará a receita fiscal, permitindo taxas de forma mais justa o tipo de rendimentos que habitualmente se situa nos escalões superiores da tabela de IRS. Por outro lado, desagravará os contribuintes situados nos três primeiros escalões do IRS.

Nota: nestes exemplos considera-se a dedução específica e o mínimo de existência mas assume-se que não existem outras deduções.

Como se verifica com estes  três exemplos de contribuintes que têm rendimentos do trabalho e ainda rendimentos prediais, o englobamento melhora a progressividade e restabelece justiça elementar. A Maria, que pagava uma taxa efetiva de 17,4%, passa a pagar 14,5%, por estar nos escalões inferiores (em vez dos 28% de taxa liberatória). Em contrapartida, o Adolfo, que pagava uma taxa efetiva de 29,1%, beneficiando da taxa liberatória, passa a pagar 31,8%.

  • Introduzir dois novos escalões da tabela de IRS, regressando assim aos oito escalões pré-troika, de forma a aumentar a progressividade e aliviar a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho;
  • Criar um imposto sobre doações e heranças, incluindo património mobiliário ou outras formas de ativos líquidos, com valor superior a 1 milhão de euros. A taxa a aplicar deverá ser de 25% para heranças acima de 2 milhões de euros, e de 16% entre 1 e 2 milhões de euros;
  • Criar o imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas, que incide sobre o património global dos sujeitos passivos cuja fortuna seja superior a 2 000 salários mínimos nacionais. O imposto estrutura-se da seguinte forma:
  • Valor patrimonial entre 2 000 e 2 500 salários mínimos nacionais, 0,6%;
  • Entre 2 500 e 4 000 salários mínimos nacionais, 0,8%;
  • Entre 4 000 e 8 000 salários mínimos nacionais, 1%;
  • Mais de 8 000 salários mínimos nacionais, 1,2%.

2.10.2. Tributação das grandes empresas e atividades especulativas

O Bloco propõe:

  • Um novo escalão da derrama estadual para empresas com lucros entre 20 milhões e 35 milhões com a taxa de 7%. Este novo escalão permite um pequeno aumento do IRC das empresas com maiores lucros, que pode ser canalizado para o financiamento dos serviços públicos e da segurança social. O impacto estimado desta medida são 27 milhões de euros;
  • Um imposto sobre a prestação de determinados serviços digitais onde a participação dos utilizadores e das utilizadoras se constitui como uma contribuição ao processo de criação de valor das empresas prestadoras do serviço. O imposto aplica-se a: publicidade dirigida a utilizadores e utilizadoras de determinada interface ou plataforma digital (serviço de publicidade online); a disponibilização de interfaces ou plataformas digitais que permitam a quem utiliza localizar outras pessoas e interagir com elas, facilitando entrega de bens ou prestação de serviços subjacentes diretamente a esses utilizadores (serviço de intermediação online); a transmissão, incluindo a venda ou cessação, dos dados recolhidos gerados por atividades realizadas nas interfaces ou plataformas digitais (serviços de transmissão de dados). A taxa de imposto proposta é de 3% e as condições que obrigam ao pagamento do imposto são: o volume de negócios no ano anterior tenha superado os 750 milhões de euros e que o montante total das suas receitas provenientes de serviços digitais sujeitas ao imposto, uma vez aplicadas as regras para a definição da base tributável e território nacional, supere os 1,5 milhões de euros. Calcula-se que a receita assim obtida seja de 60 milhões;

  • Um imposto específico sobre o consumo de bens e serviços de luxo, como são
    exemplo algumas jóias, automóveis ou barcos, ou utilização de campos de
    golfe. A introdução deste imposto permite uma maior progressividade fiscal;

  • Tributação das mais-valias imobiliárias para empresas e fundos de investimento, através de um novo regime que estabeleça justiça fiscal.

O novo regime de tributação de mais valias imobiliárias em detalhe

O novo modelo estrutura-se da seguinte forma:

1. Pessoas Singulares Residentes: englobamento obrigatório do saldo entre as mais-valias e menos-valias. Se antes este saldo era considerado em 50%, agora:

1.1 As menos-valias continuam a ser consideradas em 50% em todos os casos;

1.2 Cada mais-valia é dividida em duas componentes:

1.3 A mais valia correspondente até metade do valor dos encargos com reabilitação é considerada para englobamento apenas em 40% do seu valor;

1.4 A restante mais valia é considerada numa percentagem crescente quanto menor for o período de detenção do imóvel de acordo com a seguinte tabela:

2. Pessoas Singulares Não Residentes: as mais-valias são separadas:

2.1 Ao valor da mais-valia até metade do valor dos encargos com reabilitação, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos (arranjos ou obras) é aplicada uma taxa autónoma de 28%.

2.2 Ao valor da mais-valia superior a metade do valor dos encargos com reabilitação é aplicada uma taxa autónoma de 33% sobre o valor total da mais valia.

Empresas: criação de um adicional que incide sobre o ganho apurado pela diferença entre o valor de venda e o valor de compra, deduzida de despesas inerentes à compra e venda do imóvel e de 1,5 o valor dos encargos com a valorização do imóvel, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos.

3.1 Este adicional não se aplica quando o valor de realização seja reinvestido total ou parcialmente até ao fim do 2.º período de tributação seguinte.

3.2 A taxa aplicável será maior quanto menor for o período de detenção do imóvel de acordo com a seguinte tabela:

4. Fundos Imobiliários: aplicação do adicional criado em IRC. Se a venda for feita a um preço que reflita um lucro até 50% do valor investido na valorização do imóvel, não há lugar a adicional.

2.10.3. Combate à evasão e à despesa fiscal injustificada

Benefícios fiscais custam 4 000 M€

Segundo o relatório “Os Benefícios Fiscais em Portugal”, apresentado em meados de 2019 pelo governo, estão em vigor 542 benefícios fiscais que, excluindo as taxas reduzidas de IVA e o regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira, têm uma despesa associada de 4 000 M€, ou seja, 2% do PIB.

Neste vasto grupo, encontramos três tipos de benefícios fiscais que devem ser revistos e tendencialmente eliminados:

  1. Benefícios fiscais com fins indesejáveis, como a especulação financeira e imobiliária;
  2. Benefícios fiscais ineficazes face aos seus fins;
  3. Benefícios fiscais que não estão associados a qualquer fim extra-fiscal identificável (127, de acordo com o Relatório).

Para além de se traduzirem num sistema fiscal complexo e opaco, as deduções e isenções fiscais, mesmo quando justificadas, podem não ser a forma mais eficaz de atingir determinados objetivos face a outras formas de políticas públicas, como as transferências diretas. Porque dependem da capacidade de despesa e, portanto, do rendimento, os benefícios fiscais têm muitas vezes um efeito redistributivo limitado ou mesmo até regressivo.

Um sistema fiscal justo e eficaz no combate à fraude e à evasão fiscal é essencial para dotar o Estado dos recursos necessários ao investimento nos serviços públicos e na criação de emprego.

O Bloco propõe:

  • Rever todo o sistema de benefícios fiscais, eliminando e adaptando-os à eficácia pretendida, em ponderação com outros instrumentos de política económica e social. Em particular:
  • Fim do regime de residentes não habituais: considerado internacionalmente com um dos mais agressivos ao nível da competição fiscal, isenta de IRS, em Portugal e no país de origem, as pensões de reforma, e tributa a 20% os rendimentos provenientes de “atividades de elevado valor acrescentado”. Outro tipo de rendimentos provenientes do estrangeiro são ainda isentos de pagamento de imposto em Portugal, numa clara promoção de esquemas de planeamento fiscal. Para além do custo fiscal, este regime constitui um elemento de desigualdade face aos rendimentos do trabalho e das pensões de residentes em Portugal, e de pressão sobre os preços da habitação nos centros urbanos;
  • Eliminação da isenção de IMI aos imóveis detidos por partidos políticos;
  • Eliminação da isenção de IMI a todos os imóveis detidos por Misericórdias para especulação, limitando-a aos imóveis afetos à realização dos seus fins estatutários;
  • Eliminação das isenções de impostos sobre os rendimentos financeiros pagos pelas sociedades instaladas nas zonas francas a entidades aí instaladas ou não residentes;
  • Eliminação dos benefícios sob a forma de taxas reduzidas a rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou sociedades de investimento mobiliário;
  • Rever os acordos de dupla tributação com países que isentam o rendimento de tributação, e.g., Mónaco, alguns cantões da Suíça, Luxemburgo ou outras zonas fiscalmente privilegiadas para as SPGS, tendo em perspetiva a sua modificação por via negocial, ou se tal não for possível, a denúncia de tais acordos de dupla tributação;
  • Rever as regras de tributação aplicáveis aos grupos económicos e, em particular, às transferências de rendimentos para jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis ao planeamento fiscal com vista à erosão da base tributável;
  • Criação de taxas desagravadas de imposto sobre os lucros de fundações e associações sem fins lucrativos a partir de 15 mil euros de matéria coletável;
  • Rever o regime aplicável ao Centro Internacional de Negócios da Madeira, limitando e adaptando os benefícios fiscais atualmente existentes à efetiva criação de emprego e atividade económica, com a aplicação de novos critérios de verificação e transparência.
Participa
Quero receber as notícias do Bloco:
no whatsapp
no email
Ao recolher os teus dados para a sua lista de divulgação, o Bloco de Esquerda assegura a confidencialidade e a segurança dos mesmos, em cumprimento do RGPD, garante que nunca serão transmitidos a terceiros e apenas serão mantidos enquanto desejares, podendo solicitar-se alteração ou cancelamento através do e-mail Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Programa eleitoral
2019-2023
  • R. da Palma, 268
    1100-394 Lisboa, Portugal

  • E | Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

    T | (+351) 213 510 510

segue-nos