A sustentabilidade da Segurança Social tem de ser analisada tendo em conta, pelo menos, três dimensões distintas. O fator demográfico (esperança média de vida, evolução da natalidade e saldo migratório), os fatores económicos (crescimento, criação de emprego e níveis salariais) e os mecanismos de funcionamento e de financiamento do próprio sistema (contribuições e diversificação das fontes de financiamento da segurança social). Os fatores de desequilíbrio da sustentabilidade da Segurança Social no período da austeridade resultaram das escolhas de política económica: aumento do desemprego (menos contribuições e mais despesa social), precariedade (que atira pessoas para fora dos sistema), baixos salários (a que correspondem baixas contribuições, incapazes de garantir pensões decentes), emigração (que levou cerca de 500 mil pessoas para fora do país nesse período). As propostas da direita para a Segurança Social continuam a ser os cortes nas pensões, a compressão da proteção social, a descapitalização por via de descontos às empresas, o modelo de baixos salários e a capitalização de uma parte dos sistemas que deveria migrar para o negócio privado.
A recuperação de rendimentos e a criação de emprego permitiu equilibrar o sistema previdencial de Segurança Social: a receita de contribuições é hoje superior à despesa com pensões do sistema previdencial. Mas o sistema enfrenta desafios, resultantes nomeadamente das mudanças da estrutura demográfica e das transformações na estrutura de produção (robotização, aumento de produtividade). Esses desafios devem ser respondidos fazendo reverter os ganhos de produtividade e a inovação tecnológica em mais tempo para viver, em maior qualidade de vida e não numa condenação a trabalhar até morrer. Ao longo dos últimos quatro anos, avançou-se ligeiramente na diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, reforçando sobretudo o seu Fundo de Estabilização Financeira (prolongando em dezanove anos, para depois de 2040, o seu esgotamento). Mas o debate sobre o trabalho e a legislação laboral não pode ser desligado da política no âmbito da Segurança Social: o equilíbrio do sistema deve passar ainda pelo combate à informalidade e precariedade do emprego e pela melhoria dos salários, que são fatores cruciais para romper o padrão de pensões muito baixas e pelo aprofundamento da diversificação das fontes de financiamento por via de uma contribuição das empresas de capital intensivo, não apenas em função do número de trabalhadores e de trabalhadoras, mas também do seu valor acrescentado líquido.
Há ainda a dimensão do combate à pobreza e do sistema de solidariedade. Metade das pessoas em Portugal já viveu, em algum momento da sua vida, uma situação de pobreza. E se é verdade que a taxa de pobreza reduziu nos últimos anos (com 100 mil pessoas sair da situação formal de pobreza, isto é, com um rendimento abaixo do limiar de pobreza), a verdade é que Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior pobreza e com maiores níveis de desigualdade. A existência de 1,7 milhões de cidadãos e cidadãs (dos quais muitos são crianças e jovens) em situação de pobreza é um facto que ofende o país e que motiva a ação da esquerda.
Metade das pessoas em Portugal já viveu, em algum momento da sua vida, uma situação de pobreza.
Quando foi criado em 2008, pelo OS, o chamado “fator de sustentabilidade” tinha duas grandes diferenças em relação ao que existe hoje. Em primeiro lugar, o cálculo do seu valor tinha como referência a diferença entre a esperança média de vida do momento em que era fixado e a de 2006. Em segundo lugar, aplicava-se a todas as pensões, porque a idade da reforma era fixa: 65 anos. O chamado “fator de sustentabilidade” pretendia assim fazer repercutir o efeito do aumento da esperança média de vida no valor da pensão, porque o sistema assentava numa idade legal da reforma que não era variável. Se a pessoa quisesse trabalhar para além dos 65 anos, podia continuar a trabalhar mais uns meses e anulava esse corte.
PSD e CDS mudaram estas regras, em três dimensões. Desde 2013 que não há uma idade fixa de reforma, esta aumentou todos os anos, numa proporção relacionada com o aumento da esperança média de vida. A idade da reforma, que era fixa nos 65 anos até 2013, já vai neste momento nos 66 anos e 7 meses. Por outro lado, PSD e CDS mudaram a base a partir da qual se calcula o corte de sustentabilidade, tomando como referência a diferença com o ano 2000 e não com o ano de 2006. Em 2014, esta alteração triplicou o valor do fator de sustentabilidade.
Desta forma, o corte que se aplica por via do “fator de sustentabilidade” passou a configurar uma dupla penalização ilegítima e sem fundamento, mesmo à luz dos argumentos com que foi imposto. O fator de sustentabilidade foi apresentado, em 2006, como o contraponto de uma idade da reforma que era fixa. Isso hoje já não acontece, mas aquele corte mantém-se e tem-se agravado todos os anos, conforme a tabela seguinte.
Nesta legislatura, deu-se um primeiro passo para acabar com o corte de sustentabilidade para os trabalhadores e trabalhadoras que, aos 60 anos de idade, tenham já 40 anos de descontos e requeiram pensão antecipada a partir dessa altura. Mas é preciso eliminar o corte para todas as outras situações, que já têm penalizações pesadas por cada mês de antecipação da idade da reforma (0,5% ao mês). O fim do corte de sustentabilidade para todas as pensões teria um impacto financeiro de 73 M€. Ou seja, metade do valor das novas receitas da Segurança Social por via da consignação de 1% do IRC para o Fundo de Estabilização Financeira.
Desde 2013 que não há uma idade fixa de reforma, esta aumentou todos os anos, numa proporção relacionada com o aumento da esperança média de vida.
Nos últimos anos, o sistema previdencial de Segurança Social teve um saldo positivo, tendo acabado as transferências do Orçamento do Estado que foram regra durante o período da austeridade. Esta melhoria significativa da sustentabilidade do sistema previdencial resulta essencialmente de três fatores:
Com estas medidas, o esgotamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social foi adiado em dezanove anos relativamente ao que se previa em 2015, para 2040.
Ou seja, é a política de criação de emprego e diversificação de fontes de financiamento que garantem a sustentabilidade do sistema, e não a política de cortes nas pensões e nas prestações sociais. O aumento dos salários e a contribuição por parte das grandes empresas também em função do seu valor acrescentado líquido (e não só do número de trabalhadores e trabalhadoras) é o caminho que a esquerda deve seguir.
É a política de criação de emprego e diversificação de fontes de financiamento que garantem a sustentabilidade do sistema, e não a política de cortes nas pensões e nas prestações sociais.