Quando as mulheres, que são 53% da população, são tratadas como minoria social, o país patriarcal revela-se em todo o seu esplendor.
Esse país patriarcal exprime-se cruamente na justiça machista. Uma sociedade democrática não pode aceitar que os preconceitos moldem as acusações e as sentenças nos tribunais. É necessário insistir na formação de magistrados, assim como o escrutínio democrático da aplicação da justiça, porque os tribunais precisam de ser reconhecidos como espaços de justiça e não como espaços de humilhação e amesquinhamento de vítimas. O combate à cultura da violação, que responsabiliza as mulheres pelas violências que sofrem, deve estender-se à formação e responsabilização quer das forças policiais, quer das magistraturas.
A morte de 28 mulheres assassinadas no ano de 2018 – sempre vítimas de ex ou atuais companheiros (ou de familiares próximos) mostra o tanto que falta fazer para prevenir e reprimir a violência contra as mulheres. Em 2018, foram assassinadas em Portugal, em contexto de violência doméstica, 2,8 mulheres por cada milhão de habitantes. Muito mais do que as 2 mulheres por cada milhão em Espanha ou as 1,5 mulheres por cada milhão em França. Todos os anos, registam-se perto de 30 mil queixas. Até junho de 2019 já se registaram mais 731 queixas do que nos mesmo período de 2018. A violência de género contra as mulheres é um problema estrutural e transversal a toda a sociedade que está longe de vir a ser debelado. Pelo contrário, a resposta da Justiça não tem estado à altura e dá azo à perceção social de impunidade dos agressores: baixa taxa de condenações, baixa taxa de queixas às autoridades, recurso frequente à suspensão do processo, persistência de uma cultura judicial machista. A proteção das mulheres vítimas do crime de violência doméstica tem de ser reforçada assim como o apoio na reconstrução das suas vidas.
Quando as mulheres, que são 53% da população, são tratadas como minoria social, o país patriarcal revela-se em todo o seu esplendor.
Na legislatura 2015-2019, o Bloco foi ator de algumas vitórias importantes para as mulheres e a igualdade de género. Foi o que aconteceu, desde logo, no reconhecimento da maternidade como uma escolha e um direito, através da aprovação da Procriação Medicamente Assistida para todas as mulheres e da Gestação de Substituição. Não obstante todas as suas limitações, a aprovação do Estatuto do Cuidador Informal foi uma importante vitória por iniciar uma resposta digna a um problema que afeta uma maioria muito expressiva de mulheres, cuja carreira contributiva e proteção laboral não estavam garantidas, assim como não estava garantido o direito elementar ao descanso.
No entanto, o PS teve condições para ir mais longe e escolheu não o fazer. Não quis garantir a paridade de 50% nos órgãos da Administração Pública e nas listas eleitorais. A proposta para impor limites à desigualdade salarial foi chumbada. Esta desigualdade não prejudica apenas as mulheres, mas prejudica-as particularmente, porque os seus salários – para trabalho igual ou equivalente – são cerca de 16% mais baixos do que os dos homens e porque quanto mais altos são os salários mais a desigualdade se acentua. Escolher ignorar as desigualdades salariais é escolher deixar as mulheres sem escolha, porque os seus salários são curtos para que decisões, que significam muitas vezes o direito a viver, possam ser tomadas. Olhar, por exemplo, o problema da violência de género e crer que as únicas respostas são a ação policial e judicial significa olhar as mulheres apenas como vítimas e negar-lhes o direito a escolhas livres e autónomas capazes de romper com quotidianos abusivos.
Escolher ignorar as desigualdades salariais é escolher deixar as mulheres sem escolha, porque os seus salários são curtos para que decisões, que significam muitas vezes o direito a viver, possam ser tomadas.
Entretanto, a Greve Feminista Internacional introduziu no debate político a ideia de “greve social”, que coloca no centro a vida concreta das mulheres, diferenciando “trabalho” de “emprego” e estendendo-o aos trabalhos invisibilizados dos cuidados e domésticos. Uma reorganização social dos cuidados, que tem de passar pela promoção da partilha, em termos de género, dos cuidados informais, combatendo a divisão sexual que existe. Passa ainda pela formalização de cuidados, através de uma rede pública de apoio domiciliário a pessoas dependentes.
As profissões e atividades exercidas maioritariamente por mulheres são as mais desvalorizadas salarial e socialmente. É necessário olhar para o trabalho doméstico e dos cuidados para se perceber a sobrecarga do quotidiano das mulheres. Se o trabalho não reconhecido e desvalorizado das mulheres na esfera privada colmata as lacunas do Estado Social, deve considerar-se esse trabalho na definição das regras das reformas e pensões, sob pena de o ciclo de precariedade e pobreza se perpetuar.
O acesso ao planeamento familiar precisa de ser reforçado para aumentar o conhecimento das práticas mais adequadas a cada um. Devemos derrotar a ideia de que a contracepção é responsabilidade das mulheres. É, pois, necessário garantir as condições de acesso aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva em condições iguais para toda a população, independentemente dos territórios que habitem.
Em Portugal, os números de intervenções médicas no trabalho de parto e nascimento estão longe das recomendações da Organização Mundial de Saúde. Impõe-se combater a naturalização de inúmeros atos médicos no contexto do trabalho de parto e nascimento, que são objetivamente formas de violência física ou psicológica, como a coação da mulher a aceitar procedimentos, intervenções realizadas sem o seu conhecimento, ou a inibição da presença do/da acompanhante.
Das 165 mil pessoas abrangidas pelo complemento solidário para idosos, 70% são mulheres.
A diferença salarial entre homens e mulheres era de 15,8% em 2016, o que corresponde a uma diferença de 58 dias de trabalho remunerado a salário igual. Nesse caso, as mulheres deixariam de ser remuneradas pelo seu trabalho a 4 de novembro, enquanto os homens receberiam o seu salário até ao final do ano.
Apesar de a lei proteger quem falta ao trabalho para, por exemplo, prestar assistência à família, a desigualdade persiste por via do salário indireto. As mulheres faltam mais e trabalham menos para além do horário, não apenas porque tradicionalmente as tarefas de assistência a ascendentes e descendentes são sua responsabilidade, mas também porque 87% das famílias monoparentais são femininas, e isso reflete-se no seu salário real.
Em 2017, 21.6% dos salários pagos em Portugal correspondiam ao salário mínimo. 27% das mulheres em Portugal ganham o salário mínimo, contra cerca de 17% dos homens.
No total, em média, o trabalho não remunerado implica para as mulheres uma afetação de tempo diária de 4 horas e 23 minutos; e para os homens de 2 horas e 38 minutos, ou seja, menos 1 hora e 45 minutos. Ao fim se semana, aumentam os tempos e a disparidade.
Somando a média das horas despendidas no trabalho doméstico e nas tarefas de cuidado, a jornada diária média de trabalho de uma mulher é de 12h23.