A escola pública, pilar da igualdade

3.4 A escola pública, pilar da igualdade

3.4.1. Uma escola inclusiva, moderna e democrática

O problema:

A ideologia neoliberal contaminou a Educação com a linguagem e o pensamento da gestão e da economia (o verdadeiro “eduquês”) e acarretou a secundarização das Ciências Sociais e da Educação e o retrocesso a uma educação tecnocrática, positivista e meritocrática, fortemente reprodutora das desigualdades sociais. O melhor exemplo é o ensino profissional, que funciona como uma escola dentro da escola, que tem como função absorver os alunos e alunas com“menor sucesso académico”.

O sistema educativo em Portugal tornou-se numa imensa manta de retalhos, avulsa e incoerente marcado pela agenda neoliberal e pela racionalidade instrumental da Educação.

A flexibilidade curricular, imposta no ensino secundário e no ensino básico, sem que sequer seja questionada a pertinência dos exames nacionais, nem tida em conta as contradições que esta convivência forçada acarreta

O mandato do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, convoca um balanço misto, com um final ensombrado por uma encenação de crise política a propósito da recuperação da carreira dos professores e professoras. O primeiro ano da legislatura alimentou a esperança numa verdadeira valorização da escola pública e deixou duas marcas positivas: a reversão de algumas medidas do ministro da Educação da direita Nuno Crato e o confronto com a direita social e política sobre os contratos de associação. Após esse impulso inicial em que o Bloco de Esquerda foi parceiro ativo, esperava-se vontade para mudanças mais profundas.

No entanto, concluída a reversão de algumas medidas do anterior ministro, tais como o fim dos exames no 4.º ano, o governo resistiu às mudanças necessárias, tanto de política educativa como de investimento. Com limitações, alcançaram-se avanços. Na sua maioria foram resultado das negociações orçamentais e acordos entre o PS e a esquerda, como a vinculação extraordinária de mais de 7 000 professores e professoras, a diminuição do número de alunos e alunas por turma ou a gratuitidade dos manuais escolares.

Ficaram por tomar, por recusa do PS, medidas tão importantes como a democratização do modelo de gestão, a reversão dos mega-agrupamentos e atribuição de autonomia às escolas, a eliminação das metas curriculares, a revisão dos programas e do modelo de avaliação ou a revisão do regime de recrutamento e mobilidade dos docentes. O novo decreto de inclusão veio também evidenciar a necessidade reforçar as escolas com mais pessoal técnico, nomeadamente, profissionais da psicologia, terapeutas, mediadores e mediadoras, animadores e animadoras culturais, tutores e tutoras, entre outras pessoas, para trabalharem em conjunto com todas as comunidades e com todos os alunos e alunas, tendo ou não diversidade funcional.

Pede-se hoje à Escola quase tudo e não se pode exigir menos: que seja espaço de aprendizagem para a cidadania, para a liberdade, para os conhecimentos técnicos e científicos atuais, para a cultura, a arte e o desporto e que garanta condições de igualdade. Não há escola inclusiva sem uma política educativa que trabalhe esse objetivo. Com o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º, há muito que a principal questão deixou de ser o acesso à educação básica.  Isso significa que pela frente está o desafio da adaptação dos currículos e dos programas, mas também o da democratização e da autonomia das escolas, que será impossível sem a participação de docentes e não docentes na organização da escola, sem um processo de reforma curricular participado por toda a comunidade educativa, sem a valorização de todo pessoal que trabalha na Escola e o respeito pelos e pelas estudantes. Até as tentativas de implementar práticas pedagógicas inovadoras, como o programa de autonomia e flexibilidade curricular e a introdução de aprendizagens essenciais, esbarram na continuidade de programas extensos e obsoletos, metas curriculares inalcançáveis, um modelo de avaliação obcecado por exames e na desarticulação entre os novos modelos desejados e a ausência de alterações significativas na formação de professores.

É necessário ainda abrir o debate sobre a organização por ciclos. Portugal tem o primeiro ciclo mais curto da Europa, decorrente de lógicas anacrónicas e desatualizadas. A este debate tem de ser associado o debate sobre a formação contínua específica de professores e professoras deste ciclo de ensino.

A escola que prepara para o futuro não é compatível com modelos pedagógicos antiquados. Há ainda um longo caminho pela frente até a escola pública conseguir eliminar o abandono escolar em todos os ciclos, baixar as taxas de retenção e assegurar a possibilidade de terminar a escolaridade obrigatória garantindo igualdade de oportunidades e frequência para que a sua conclusão seja uma realidade em toda a sociedade. Se os manuais escolares gratuitos foram um primeiro passo, é necessário, agora, reforçar a ação social escolar e dotar as escolas e todos os alunos e alunas com as melhores condições de aprendizagem possíveis. É imprescindível acabar com os exames em todos os ciclos de ensino e separar a conclusão do secundário do acesso à universidade.

A escola que prepara para o futuro não é compatível com modelos pedagógicos antiquados.

É imprescindível acabar com os exames em todos os ciclos de ensino e separar a conclusão do secundário do acesso à universidade. Uma escola inclusiva deve ainda ser capaz de acolher a diversidade - étnica,  de género, de classe, etc. - de quem a procura e ter respostas para os e as jovens em situação de abandono escolar, que são mais de 200 mil, e que veem o seu direito à educação negado ou mitigado. A escola tem de ser o espaço da democracia que garante a igualdade no acesso e na frequência a todas as pessoas, para que a integração profissional e social futuras possam ser garantidas.

A educação inclusiva começa na primeira infância. E chega a ser mais caro ter uma criança na creche do que numa universidade privada. Mesmo quando se trata de creches públicas, o valor das mensalidades pode representar metade do salário médio. Este quadro limita o acesso das famílias à resposta e ignora que a criança é um sujeito de direitos desde que nasce. O custo das creches relaciona-se com duas opções de política: a) as creches não estão inseridas no sistema de ensino, mas na Segurança Social, pelo que a oferta está nas mãos do setor privado e no setor social (IPSS); b) as creches são vistas como assistência às famílias e não no quadro dos direitos da infância, o que contribui para desresponsabilizar o Estado.

Por fim, não pode haver educação inclusiva que não responda à persistência do analfabetismo em Portugal. O analfabetismo e a baixa escolaridade permanecem em níveis preocupantes no nosso país. Há ainda 500 mil pessoas analfabetas no país. Por isso, é necessário considerar formas de erradicar de vez o analfabetismo, fenómeno persistente na nossa sociedade, sobretudo nos meios rurais e entre as mulheres. Do mesmo modo, no quadro da Educação Permanente e do que pode ser designado como o direito à escolaridade, é fundamental assegurar que os adultos que abandonaram a escola precocemente, tenham a possibilidade de completar os 12 anos de escolaridade dentro do sistema educativo português. 

A educação inclusiva começa na primeira infância. E chega a ser mais caro ter uma criança na creche do que numa universidade privada.

O Bloco propõe:

  • Inclusão das creches (0-3 anos) no sistema educativo, garantindo a gratuitidade;
  • Abertura de um processo de reforma curricular e revisão de programas, com a participação de professores e professoras, estudantes, academia e organizações da sociedade civil mais relevantes em cada área, envolvendo o ensino superior para assegurar a necessária reforma na formação de docentes;
  • Revisão da organização dos ciclos e do calendário escolar;
  • Revisão do estatuto do aluno e da aluna para valorizar participação e direitos dos estudantes;
  • Gratuitidade dos manuais escolares e desmaterialização complementar dos mesmos;
  • Reforço da ação social escolar e materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos com necessidades educativas especiais;
  • Valorização do ensino profissional com garantia de ensino unificado até 9.º ano;
  • Alargamento do ensino articulado e das respostas públicas de ensino artístico;
  • Reforço das respostas de educação inclusiva nas escolas, com contratação direta de terapeutas e técnicos e técnicas especializados e alargamento da rede de unidades de ensino estruturado e multideficiência;
  • Revisão do modelo de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), Componentes de Apoio à Família (CAF) e Atividades de Animação de Apoio à Família (AAF) de modo a valorizar as atividades lúdicas, combatendo a sua excessiva curricularização e a precariedade dos vínculos dos profissionais;
  • Gestão pública das cantinas escolares;
  • Revisão da portaria de rácios e recuperação da especificidade funcional do pessoal não docente;
  • Reversão da municipalização e novo modelo de descentralização com base na autonomia das escolas;
  • Recuperação de um modelo de gestão democrático e fim dos mega-agrupamentos;
  • Criação, na escola pública, de cursos pós-laborais dirigidos aos adultos que pretendam melhorar a sua escolaridade;
  • Adoção de uma estratégia descentralizada de erradicação do analfabetismo, com especial foco na população mais distante da rede escolar pública.

3.4.2. Uma proposta para a sustentabilidade da Escola Pública

O problema:

Sabe quantos docentes de 1º ciclo têm menos de 30 anos? Dezasseis. O alerta parte da OCDE que afirma que a classe docente portuguesa tem estado a envelhecer ao longo da última década e agora é uma das mais velhas de todos os países integrantes desta organização internacional.

Quase metade do universo docente tem mais de 50 anos. Altos níveis de envelhecimento já significam um custo acrescido para o sistema educativo. A idade é o principal fator de afastamento de docentes das salas de aula por motivo de doença. Em Portugal, já são cerca de 12 mil.

A curto prazo, este problema será o maior desafio para a organização do nosso sistema educativo. Nos próximos cinco anos vão reformar-se 10% dos professores e professoras e nos próximos dez anos o sistema público de ensino vai perder 40% dos docentes.

À desvalorização sistemática da carreira docente corresponde a diminuição do número de estudantes interessados nos cursos que formam para o ensino. De acordo com a OCDE, Portugal é dos países em que menos jovens dizem querer vir a ser professores e professoras.

O cenário de desvalorização da carreira docente agravou-se nesta legislatura. Tendo havido descongelamento das carreiras da Administração Pública, os professores e professoras não tiveram direito à contagem integral do tempo de serviço para efeitos de progressão. Apesar da disponibilidade dos sindicatos para negociar soluções faseadas e mitigadas, a decisão do governo foi impor unilateralmente uma recuperação parcial de 2 anos, 9 meses e 18 dias. Na sequência das apreciações parlamentares apresentadas por vários partidos, a direita recuou e o bloco central impediu a recuperação da carreira dos professores e das professoras.

A contagem do tempo de serviço dos professores

A contagem do tempo de serviço prestado pelos professores e professoras, para efeito da sua carreira, foi um dos temas mais polémicos da legislatura anterior.

Uma maioria PS-PSD-CDS opôs-se a que os professores e professoras pudessem registar integralmente o seu tempo de serviço nas promoções futuras. Na próxima legislatura, o Bloco de Esquerda propõe-se superar  esse bloqueio. Defenderá a aplicação da proposta dos sindicatos, a consideração ao longo de uma transição de sete anos de todo o tempo ainda não incluído considerando medidas mitigadoras do impacto orçamental. Assim, durante a legislatura deverão ser contabilizados mais 3 anos, 8 meses e 24 dias, além dos 2 anos, 9 meses e 18 dias já considerados, concluindo-se a contagem integral nos três anos seguintes.

Este programa permitirá a substituição voluntária de docentes com mais longas carreiras contributivas por jovens no início da carreira, com benefícios para um sistema educativo mais inovador.

O Bloco propõe:

Um Programa Especial de Rejuvenescimento do Corpo Docente. O envelhecimento da classe docente representa um risco para a sustentabilidade da Escola Pública e é um fator negativo para o desenvolvimento económico do país.  A única forma de o evitar é combinar uma aposta na formação inicial e no regresso de professores e professoras precários que abandonaram o sistema com o acesso à aposentação antecipada.

Este programa tem assim medidas fundamentais: regime temporário de antecipação da aposentação das professoras e professores com idade próxima da da reforma (medida de adesão voluntária e que deve incluir a possibilidade de reconversão de tempo de serviço ainda não contabilizado em antecipação da reforma) e incentivo à contratação e vinculação dos docentes contratados e contratadas que correspondem a necessidades permanentes (incluindo a revisão da norma travão). Desta forma é possível preparar a renovação geracional a uma década, evitando a saída abrupta de quase metade do corpo docente e acautelando a entrada atempada de novos professores e professoras.

Este programa permitirá a substituição voluntária de docentes com mais longas carreiras contributivas por jovens no início da carreira, com benefícios para um sistema educativo mais inovador.

3.4.3. Um programa de requalificação das escolas públicas

O problema:

O país confronta-se hoje com um parque escolar que põe em causa a qualidade da educação. Cerca de um terço das escolas secundárias públicas (173 de um total de 526) foram renovadas, mas a falta de recursos financeiros deu origem ao atraso ou à suspensão do investimento previsto nas restantes. Muitas das escolas secundárias e a maioria das escolas básicas não tiveram as intervenções necessárias ao longo dos anos, um terço do total, segundo a Comissão Europeia. O congelamento de todas as obras durante o último governo só agravou a situação. Frio e calor, chuva dentro das salas de aulas, falta de condições ou mesmo ausência de refeitórios e pavilhões desportivos, coberturas de fibrocimento e degradação geral dos espaços perturbam o normal funcionamento de uma escola.

Estão em causa a higiene, a segurança, as condições de trabalho e o conforto de centenas de milhares de alunos e alunas, docentes e trabalhadores e trabalhadoras, assim como a qualidade da educação em Portugal.

O Bloco propõe:

  • Adoção de um programa de requalificação dos edifícios escolares.
  • As despesas de capital correspondem a menos de 2% do orçamento total da educação em Portugal, o que deixa muito pouco para as obras necessárias. É necessário um plano de investimento a quatro anos, com calendário e prioridades definidas. Sem projetos de luxo, a cada escola deve ser dada autonomia para identificar as suas necessidades de requalificação e manutenção dos edifícios escolares.
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