O direito à cultura, às artes e ao património

3.7 O direito à cultura, às artes e ao património

As políticas públicas são um fator de produção e transmissão de bem estar, conhecimento, de democracia e cidadania. As políticas culturais em Portugal estão marcadas por momentos excecionais de modernização artística e científica, mas nunca tiveram correspondência legal e orçamental que transformasse a exceção numa prática sustentada. Este é o prisma do programa do Bloco de Esquerda para a Cultura.

Nos últimos vinte anos, as políticas setoriais da cultura sofreram um recuo tanto orçamental como teórico, com as suas atividades nucleares - património, arqueologia, artes performativas, literatura e cinema - convertidas em adereço promocional da iniciativa turística e imobiliária ou apenas estagnadas. Apesar de, nesta legislatura, ter voltado a estar representada no Conselho de Ministros, a tutela governativa da Cultura não teve papel estruturante em qualquer das suas competências.

Os acordos do PS com os partidos de esquerda criaram enorme expectativa no setor cultural quanto a um projeto de recuperação, muito necessário, e a um salto qualitativo e quantitativo nas políticas públicas, perfeitamente possível.

É significativo que, nestes quatro anos, os únicos avanços na democratização cultural do país tenham sido o aumento da oferta em sinal aberto da Televisão Digital Terrestre e a redução do IVA para espetáculos, ambas por proposta do Bloco de Esquerda. Mesmo a Criação da Rede de Teatros e Cineteatros, também por iniciativa do Bloco, acabou limitada pelo PS nos trabalhos de especialidade da lei.

Faltaram políticas públicas de promoção ao acesso à cultura, do património à criação artística, e agravou-se a mercantilização e concentração da produção, edição e distribuição (controlo do mercado livreiro pelas grandes editoras, salas de cinema sob monopólio da NOS, ausência de salas públicas com dimensão e características técnicas para concertos). No Programa Revive, o Ministério da Cultura assumiu-se como sucursal do Ministério da Economia para a política turística, fazendo letra morta da Lei de Bases do Património Cultural, abdicando de garantias de acesso ao património classificado agora concessionado. A exceção foi o lançamento do Museu Nacional Resistência e Liberdade, no Forte de Peniche, salvo pela indignação pública com o projeto de transformação em unidade hoteleira.

A atualização de sistemas de inventário e arquivo, a promoção da investigação ou o trabalho em rede dos equipamentos culturais foram pura e simplesmente esquecidos. No campo laboral, embora com os tímidos avanços impostos pelo PREVPAP, quase tudo está por fazer.

Faltaram políticas públicas de promoção ao acesso à cultura, do património à criação artística, e agravou-se a mercantilização e concentração da produção, edição e distribuição.

O problema:

Depois de anos de austeridade que cortaram 75% do investimento nas artes, as estruturas públicas da Cultura degradaram-se, bem como as estruturas independentes de criação artística ou as estruturas municipais e regionais (equipamentos municipais, orquestras regionais).

O atual processo de municipalização de competências dilui responsabilidades e fragiliza as condições de salvaguarda, licenciamento e fiscalização das intervenções sobre o património classificado e o património arqueológico, que são particularmente sensíveis já que envolvem muitos interesses em conflito, a nível económico, político e social.

Mais de 37% da população portuguesa com 16 ou mais anos não frequentou nenhuma atividade cultural nos últimos 12 meses. Mais de 84% da população afirma não ter praticado nenhuma atividade cultural no mesmo período.

O Ministério da Cultura limitou-se à gestão corrente da escassez de recursos, cuja cativação impediu que pequenas melhorias vissem a luz do dia. Esta quebra de expectativas produziu mobilizações que saíram às ruas. O Bloco de Esquerda dialoga com essas mobilizações e avança um programa que lhes responde.

O Bloco propõe:

  • Inscrever no Orçamento do Estado a dotação de 1% do PIB para a Cultura;
  • Financiamento plurianual dos equipamentos públicos (museus, teatros nacionais, biblioteca e arquivo nacionais) e das entidades privadas que contratualizam serviço público com o Estado; concursos, protocolos e financiamento em prazos compatíveis com a programação; transparência e simplificação dos respetivos procedimentos;
  • Criação de uma Lei de Bases da Cultura que redefina o papel do Estado na democratização e universalização dos serviços públicos de Cultura, reorganizando legislação e reativando e redes existentes, como a Lei Quadro dos Museus Portugueses, a Lei de Bases do Património Cultural, a Rede Nacional de Bibliotecas e a Rede de Teatros e Cineteatros;
  • Aumento e diversificação do financiamento à criação artística e aos projetos de difusão da criação artística, considerando redes de programação e áreas que têm sido marginalizadas nos programas de financiamento (literatura, música e artes plásticas, entre outras); novas linhas de financiamento (para gestão de espólios e arquivos das instituições culturais, artistas jovens, projetos artísticos nas escolas, projetos artísticos de culturas discriminadas, entre outras);
  • Definição da missão do Fundo de Fomento Cultural e estabelecimento de mecanismo de transparência nos protocolos com as fundações financiadas (Serralves, Casa da Música, Museu Berardo, entre outras);
  • Reativação do Observatório das Atividades Culturais como organismo do Ministério da Cultura e redefinição do Conselho Nacional de Cultura como local de pensamento estratégico das políticas públicas de cultura, nomeadamente extinguindo a sua secção de tauromaquia;
  • Criação de um plano de visibilização, fomento e mediação dirigido a manifestações culturais de comunidades minoritárias;
  • Integração de todos os precários dos organismos públicos e contratação de novos quadros onde estes são necessários;
  • Criação do estatuto de trabalhador das artes e do audiovisual, para reforço da proteção social, reconversão nas profissões de desgaste rápido, segurança no trabalho, combate à precariedade e aos falsos contratos intermitentes;
  • Suspensão do Programa Revive e revisão da tutela sobre o património classificado e património arqueológico;
  • Definição de estratégias diferenciadas para os usos de interesse público do Património. Política de salvamento e valorização de arquivos e inventários do Património Cultural Português material e imaterial;
  • Reforço dos meios da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas e da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares, garantindo quadros de pessoal e políticas de aquisições e sensibilização de públicos adequados à sua missão;
  • Revisão da Lei do Preço Fixo do Livro, combatendo a concentração do mercado livreiro e promovendo mecanismos de apoio a livrarias e editoras independentes;
  • Reforço do financiamento ao cinema e audiovisual e combate ao monopólio na distribuição de cinema, criando uma entidade pública de distribuição que permita estruturar o acesso de cineteatros públicos e cineclubes à produção cinematográfica nacional e internacional;
  • Criação de novas obrigações para operadoras e distribuidoras cujo modelo de negócio assenta nos conteúdos culturais, fim da taxa da cópia privada, promoção da organização coletiva dos direitos dos autores, artistas e intérpretes, sem prejuízo da decisão individual sobre a disponibilização das suas obras;
  • Política de preços que garanta o direito de acesso aos equipamentos culturais: dias de acesso gratuito, bilhetes de família a preços acessíveis, meios de informação e interpretação claros e completa acessibilidade física;
  • Promoção da presença das artes na vida pública e na Escola, defesa do ensino e práticas artísticas, promoção da literacia da leitura e outras, incluindo a literacia para a imagem e novos media, reforço de políticas culturais de proximidade através de contratos locais de parceria entre equipamentos culturais, sociais, escolas e outros;
Queremos a promoção da presença das artes na vida pública e na Escola, defesa do ensino e práticas artísticas, promoção da literacia da leitura e outras, incluindo a literacia para a imagem e novos media.
  • Promoção da produção e fruição da cultura: presença de produção nacional na web, com disponibilização gratuita de todas as obras nacionais em domínio público, descriminalização da partilha não comercial, programa estratégico para arquivos, definição de critérios de coleção, preservação, documentação, digitalização e acesso público;
  • Garantia do acesso pleno a pessoas com diversidade funcional a equipamentos culturais, apoio à interpretação em língua gestual portuguesa nos espetáculos ao vivo e à produção de versões em braille ou em áudio dos materiais impressos;
  • Assunção da RTP como parceiro privilegiado da cultura, com reforço dos meios e obrigações da rádio e televisão públicas na produção e difusão culturais. Articulação entre o Arquivo da RTP e a Cinemateca/ANIM para o acesso dos criadores aos arquivos e para a criação de um arquivo de som e imagem da produção artística, designadamente para as artes cénicas.

Sim, é possível

Apesar da ligeira subida nos últimos anos desta legislatura, o peso da Cultura (sem RTP) no total do Orçamento Geral do Estado mantém-se abaixo dos 0,2% do PIB, significativamente aquém dos valores registados em 2001 e 2002 (0,5%). O investimento público em serviços culturais tendo em conta o PIB, Portugal investe em Cultura metade da média europeia (dados de 2017) ficando apenas acima da Grécia. A exigência de 1% para a Cultura não impõe um valor absoluto de investimento, mas a escolha sobre a distribuição da riqueza do país.
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