Ter mais e melhor acesso a cuidados de saúde só é possível com o reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS). É preciso mais orçamento para o SNS e é preciso que esse orçamento seja efetivamente investido no SNS e não seja todo consumido com entidades externas, seja através de convenções, contratualizações ou concessões.
O aumento do orçamento do SNS tem que ser acompanhado do reforço da capacidade instalada (em consultas, cirurgias ou meios complementares de diagnóstico), mas também no desenvolvimento de novas respostas (com especial atenção para a saúde mental e saúde oral que continuam quase inexistentes no SNS). Deve traduzir-se ainda no aumento de profissionais e num ambicioso plano de investimentos que renove infraestruturas e reponha a tecnologia e os equipamentos necessários nos estabelecimentos do SNS.
Alcançar um SNS universal, geral, gratuito, público e de qualidade – é este o objetivo do Bloco de Esquerda. Para tal é necessário remover barreiras de acesso aos cuidados de saúde, sejam elas taxas moderadoras ou listas de espera para consultas e cirurgias. Nos últimos 4 anos poder-se-ia ter investido muito mais no SNS e nos cuidados públicos de saúde, mas o PS insistiu em priorizar o défice e subordinar a este os serviços públicos. Os orçamentos aprovados pelo Bloco permitiram uma recuperação de 1300 milhões de euros do SNS e foi por proposta do Bloco que organismos como o INEM, a DGS ou o SICAD ficaram livres de cativações.
O PS e o seu governo impediram que as almofadas de centenas de milhões de euros que a economia gerou acima das expectativas fossem investidas adicionalmente no SNS. Decidiu canalizar esses recursos para abater décimas do défice, mantendo assim o défice do SNS que continua subfinanciado. Foi o governo que atrasou o lançamento de concursos para contratação de médicos e que não autorizou contratações dos mais diversos profissionais de saúde; foi o governo que foi atrasando o investimento que era necessário fazer e que resistiu a aplicar o princípio da autonomia de gestão. Mário Centeno decidiu festejar o excedente orçamental no primeiro trimestre de 2019, mas os utentes e os profissionais do SNS sabem que o que merecia festejo era a aposta e o investimento no nosso serviço público de saúde.
O legado de Arnaut e Semedo: o que se conquistou e o que falta fazer
No início de 2018, António Arnaut e João Semedo apresentaram publicamente o livro Salvar o SNS: uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a Democracia. Fizeram-no porque sabiam que esta era uma mudança estrutural fundamental para fazer do Serviço Nacional de Saúde um serviço de excelência, acessível a todas as pessoas. Para isso era preciso separar o público do privado, garantir a gestão pública do SNS, valorizar os trabalhadores com carreiras dignas e remover barreiras de acesso (exemplo disso: as taxas moderadoras).
Apresentaram a sua proposta para uma Nova Lei de Bases da Saúde e ofereceram-na ao debate público e, mais concretamente, aos seus partidos para que a maioria existente na Assembleia da República pudesse concretizá-la.
O Bloco de Esquerda transformou este trabalho de Arnaut e Semedo em projeto de lei e assumiu o compromisso de desencadear esta discussão. Assim o fizemos. Lançámos um anteprojeto, fizemos sessões públicas sobre o mesmo e colocámo-lo a debate público e aberto a contributos. Reunimos com centenas de pessoas e recebemos outros tantos contributos.
No dia 6 de junho de 2018 demos entrada do projeto para uma nova Lei de Bases da Saúde na Assembleia da República e debatemo-lo no dia 22. Aguardámos as propostas dos outros partidos e do governo, que apareceu apenas 6 meses depois, em dezembro.
Para o Bloco, o importante era fazer, na legislatura 2015-2019, uma nova Lei de Bases da Saúde que removesse a marca da direita que desde sempre defendeu que o SNS deveria ser apenas e só um orçamento a ser distribuído pelos privados. Para remover a marca da direita, a que tem vindo a degradar consecutivamente o serviço público de saúde, era necessário deixar claro que a gestão do SNS não pode ser entregue a grupos económicos e que o privado é supletivo do setor público era preciso ficar claro o direito a uma carreira condigna por parte dos e das profissionais de saúde e ficar claro ainda que as taxas moderadoras deixariam de ser um obstáculo no acesso aos cuidados de saúde.
Mesmo no final da legislatura, foi possível um acordo determinado à esquerda para uma nova Lei de Bases da Saúde que não só revoga a lei de Cavaco Silva, que colocava o Estado como garante do financiamento dos grupos privados da saúde, como o decreto lei de Durão Barroso que entregou hospitais públicos à gestão privada.
Na próxima legislatura decidir-se-á a lei sobre a gestão do SNS. O Bloco de Esquerda manterá a sua proposta de gestão integralmente pública dos hospitais públicos. Teremos ainda de concretizar a nova Lei de Bases nas suas várias dimensões, incluindo o fim das taxas moderadoras e a exclusividade dos profissionais do SNS.
Começa agora o tempo para uma reorganização profunda do SNS, que coloque no centro a promoção da saúde e a prevenção da saúde, reforçando os cuidados de saúde primários os cuidados de proximidade. O compromisso é um SNS público, universal e gratuito que garanta o acesso a cuidados de saúde a toda a população.
À direita, a alternativa foi sempre o aprofundamento do corte do SNS e a transferência dos recursos para o setor privado. PSD e o CDS, que quando estiveram no governo cortaram 1 000 M€ e mandaram embora 4400 profissionais de saúde, mantiveram a mesma toada durante estes 4 anos. Veja-se a chamada Reforma Estrutural do SNS apresentada pelo Conselho Nacional do PSD, onde a proposta central é a criação de mais PPP para gestão dos hospitais do SNS, ou veja-se a proposta do CDS de fazer mais convenções com privados para as consultas de especialidade hospitalar. Para quem nunca quis o SNS, tudo se resume a uma coisa: negócio! À direita, continua a entender-se que os setores privado e social devem estar em concorrência com o público e que cabe ao SNS abdicar dos seus recursos para promover os setores representados pelos grupos económicos que operam na área da saúde. Do SNS querem apenas o orçamento para o distribuir a grupos privados que fazem lucro com a saúde de todos como o Grupo Mello e a Luz Saúde.
Apostar na Saúde Pública para um SNS do século XXI. A Saúde Pública é a resposta da sociedade à necessidade da salvaguarda da saúde e bem-estar dos indivíduos e das comunidades.
Portugal destina apenas 6% do seu PIB à despesa pública em saúde. Se falarmos do orçamento do SNS, essa percentagem é inferior a 5% do PIB. Em ambos os casos bastante abaixo da média dos países da OCDE (6,6%) ou da média dos países da União Europeia (7,8%). A falta de investimento compromete a qualidade de resposta do SNS e aumenta a despesa com contratualizações. Só em 2018, o SNS gastou mais de 473 milhões em exames de diagnóstico comprados a privados.
Cerca de 40% do orçamento do SNS (3 922 M€ num total de 10.201 M€) vai para fornecimentos e serviços externos. Era dinheiro que poderia estar a ser aplicado no próprio SNS, mas que está a ser utilizado para financiar atividade privada.
Só a gestão privada dos hospitais públicos – as chamadas PPP – consomem cerca de 500 milhões de euros por ano ao SNS. Para além deste valor, os grupos económicos a operar na área da saúde aproveitam esta situação para desviar profissionais do SNS para os seus hospitais privados e para fazer circular utentes entre setores.
Em 2015 houve 114 médicos e médicas recém-licenciados que ficaram impedidos de aceder à especialidade; em 2016, esse número aumentou para 158, em 2017 para mais de 300 e em 2018 para quase 700. Se nada for feito, o país continuará a desperdiçar, sem sentido, profissionais que são muito necessários ao SNS. Acrescem a estes exemplos os milhares de profissionais que anualmente são formados nas áreas de enfermagem, diagnóstico e terapêutica, entre outras, e que não são contratados para o serviço público de saúde.
Portugal tem uma esperança de vida acima da média europeia (81,3 anos contra 80,9 anos); no entanto, a população tem muito poucos anos de vida saudável após os 65 anos (os homens têm 7,9 e as mulheres 6,7 anos, bastante abaixo da Suécia, Malta, Espanha ou Dinamarca, onde estes anos de vida saudável variam entre os 10 e os 15). A carga de doença poderia ser evitada ou minorada se houvesse mais prevenção da doença e promoção da saúde.
É possível ao SNS ter um maior orçamento, que convirja para a percentagem do PIB que é a média do conjunto de países da OCDE ou da UE, por exemplo. Se esse aumento do orçamento se aplicar em investimento e reforço de resposta do próprio SNS, então também será possível utilizar os recursos de forma mais racional em vez de gastar milhares de milhões comprando prestações de serviços a privados. É possível ter mais profissionais no SNS, melhorando as condições de trabalho, abrindo concursos para contratação e aproveitando os excelentes profissionais que são formados em Portugal.
É possível termos um SNS que promova mais saúde e mais qualidade de vida, desde que se aposte mais na prevenção da doença e na promoção da saúde, desígnio que tem de merecer mais de 1% do orçamento do SNS e que tem de passar por uma maior aposta nos cuidados de saúde primários, a começar pela atribuição de uma equipa de família a todos os utentes.