Salvar o Serviço Nacional de Saúde

3.8 Salvar o Serviço Nacional de Saúde

O problema:

Ter mais e melhor acesso a cuidados de saúde só é possível com o reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS). É preciso mais orçamento para o SNS e é preciso que esse orçamento seja efetivamente investido no SNS e não seja todo consumido com entidades externas, seja através de convenções, contratualizações ou concessões.

O aumento do orçamento do SNS tem que ser acompanhado do reforço da capacidade instalada (em consultas, cirurgias ou meios complementares de diagnóstico), mas também no desenvolvimento de novas respostas (com especial atenção para a saúde mental e saúde oral que continuam quase inexistentes no SNS). Deve traduzir-se ainda no aumento de profissionais e num ambicioso plano de investimentos que renove infraestruturas e reponha a tecnologia e os equipamentos necessários nos estabelecimentos do SNS.

Alcançar um SNS universal, geral, gratuito, público e de qualidade – é este o objetivo do Bloco de Esquerda. Para tal é necessário remover barreiras de acesso aos cuidados de saúde, sejam elas taxas moderadoras ou listas de espera para consultas e cirurgias. Nos últimos 4 anos poder-se-ia ter investido muito mais no SNS e nos cuidados públicos de saúde, mas o PS insistiu em priorizar o défice e subordinar a este os serviços públicos. Os orçamentos aprovados pelo Bloco permitiram uma recuperação de 1300 milhões de euros do SNS e foi por proposta do Bloco que organismos como o INEM, a DGS ou o SICAD ficaram livres de cativações.

As propostas do PS

O PS e o seu governo impediram que as almofadas de centenas de milhões de euros que a economia gerou acima das expectativas fossem investidas adicionalmente no SNS. Decidiu canalizar esses recursos para abater décimas do défice, mantendo assim o défice do SNS que continua subfinanciado. Foi o governo que atrasou o lançamento de concursos para contratação de médicos e que não autorizou contratações dos mais diversos profissionais de saúde; foi o governo que foi atrasando o investimento que era necessário fazer e que resistiu a aplicar o princípio da autonomia de gestão. Mário Centeno decidiu festejar o excedente orçamental no primeiro trimestre de 2019, mas os utentes e os profissionais do SNS sabem que o que merecia festejo era a aposta e o investimento no nosso serviço público de saúde. 

O legado de Arnaut e Semedo: o que se conquistou e o que falta fazer

No início de 2018, António Arnaut e João Semedo apresentaram publicamente o livro Salvar o SNS: uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a Democracia. Fizeram-no porque sabiam que esta era uma mudança estrutural fundamental para fazer do Serviço Nacional de Saúde um serviço de excelência, acessível a todas as pessoas. Para isso era preciso separar o público do privado, garantir a gestão pública do SNS, valorizar os trabalhadores com carreiras dignas e remover barreiras de acesso (exemplo disso: as taxas moderadoras).

Apresentaram a sua proposta para uma Nova Lei de Bases da Saúde e ofereceram-na ao debate público e, mais concretamente, aos seus partidos para que a maioria existente na Assembleia da República pudesse concretizá-la.

O Bloco de Esquerda transformou este trabalho de Arnaut e Semedo em projeto de lei e assumiu o compromisso de desencadear esta discussão. Assim o fizemos. Lançámos um anteprojeto, fizemos sessões públicas sobre o mesmo e colocámo-lo a debate público e aberto a contributos. Reunimos com centenas de pessoas e recebemos outros tantos contributos.

No dia 6 de junho de 2018 demos entrada do projeto para uma nova Lei de Bases da Saúde na Assembleia da República e debatemo-lo no dia 22. Aguardámos as propostas dos outros partidos e do governo, que apareceu apenas 6 meses depois, em dezembro.

Para o Bloco, o importante era fazer, na legislatura 2015-2019, uma nova Lei de Bases da Saúde que removesse a marca da direita que desde sempre defendeu que o SNS deveria ser apenas e só um orçamento a ser distribuído pelos privados. Para remover a marca da direita, a que tem vindo a degradar consecutivamente o serviço público de saúde, era necessário deixar claro que a gestão do SNS não pode ser entregue a grupos económicos e que o privado é supletivo do setor público era preciso ficar claro o direito a uma carreira condigna por parte dos e das profissionais de saúde e ficar claro ainda que as taxas moderadoras deixariam de ser um obstáculo no acesso aos cuidados de saúde.

Mesmo no final da legislatura, foi possível um acordo determinado à esquerda para uma nova Lei de Bases da Saúde que não só revoga a lei de Cavaco Silva, que colocava o Estado como garante do financiamento dos grupos privados da saúde, como o decreto lei de Durão Barroso que entregou hospitais públicos à gestão privada.

Na próxima legislatura decidir-se-á a lei sobre a gestão do SNS. O Bloco de Esquerda manterá a sua proposta de gestão integralmente pública dos hospitais públicos. Teremos ainda de concretizar a nova Lei de Bases nas suas várias dimensões, incluindo o fim das taxas moderadoras e a exclusividade dos profissionais do SNS.

Começa agora o tempo para uma reorganização profunda do SNS, que coloque no centro a promoção da saúde e a prevenção da saúde, reforçando os cuidados de saúde primários os cuidados de proximidade. O compromisso é um SNS público, universal e gratuito que garanta o acesso a cuidados de saúde a toda a população.

As propostas da direita

À direita, a alternativa foi sempre o aprofundamento do corte do SNS e a transferência dos recursos para o setor privado. PSD e o CDS, que quando estiveram no governo cortaram 1 000 M€ e mandaram embora 4400 profissionais de saúde, mantiveram a mesma toada durante estes 4 anos. Veja-se a chamada Reforma Estrutural do SNS apresentada pelo Conselho Nacional do PSD, onde a proposta central é a criação de mais PPP para gestão dos hospitais do SNS, ou veja-se a proposta do CDS de fazer mais convenções com privados para as consultas de especialidade hospitalar. Para quem nunca quis o SNS, tudo se resume a uma coisa: negócio! À direita, continua a entender-se que os setores privado e social devem estar em concorrência com o público e que cabe ao SNS abdicar dos seus recursos para promover os setores representados pelos grupos económicos que operam na área da saúde. Do SNS querem apenas o orçamento para o distribuir a grupos privados que fazem lucro com a saúde de todos como o Grupo Mello e  a Luz Saúde.

O Bloco propõe:

  • Reforço do orçamento do SNS e criação de um plano plurianual de investimentos associado a uma carta nacional de equipamentos de saúde, com dotação própria, para combater a obsolescência tecnológica e possibilitar a renovação e aquisição de novos equipamentos, com especial atenção em meios complementares de diagnóstico e construção e renovação de infraestruturas, aumentando assim a capacidade de resposta do SNS;

  • Separação clara entre público e privado. Fazer uma separação entre setores, estabelecendo que não há gestão privada de unidades inseridas no SNS e que os setores privado e social são, na prestação de cuidados, supletivos do serviço público de saúde são medidas essenciais para o desenvolvimento do SNS;

  • Autonomia de gestão das unidades do SNS. A partir do momento em que o seu orçamento e plano de atividades anual é homologado pela tutela, as instituições do Serviço Nacional de Saúde não devem ficar dependentes de autorizações para a contratação de profissionais ou para a realização de pequenos investimentos. O SNS deve ainda ser excluído da aplicação da Lei dos Compromissos.

  • Definição de uma estratégia nacional de recursos humanos do SNS. O SNS deve ter planos de carreiras, com apoio à formação e desenvolvimento profissional, definidos para cada categoria profissional. Quem é profissional do SNS deve saber que faz parte de um recurso público vital e sentir-se valorizado como tal. Carreira, salário e desenvolvimento profissional garantem um melhor SNS e mais fixação de recursos. Esta estratégia deve incluir mecanismos de regulação e valorização das várias carreiras, bem como os necessários incentivos à dedicação exclusiva e à fixação de profissionais em regiões carenciadas (melhor remuneração, apoio no emprego do cônjuge e na escola dos filhos) e a realização de um mapeamento nacional das necessidades de contratação de recursos humanos, para a definição de um quadro de investimento plurianual, baseado nas necessidades reais;

  • Valorizar os profissionais, corrigir injustiças. Não é aceitável o apagão de tempo de serviço aos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica ou a enfermeiros, nem é aceitável que Técnicos Auxiliares de Saúde continuem numa carreira geral que não reconhece a especificidade das suas funções;

  • Mais formação e concursos de contratação a tempo e horas: reforçar o número de vagas para formação especializada e promoção, através das instituições do SNS, da formação contínua e especializada a todas e todos os profissionais de saúde. Mais proximidade, maior cobertura, melhor prevenção: reforço da rede de cuidados de saúde primários de proximidade e articulação com as unidades de saúde pública. Combater as desigualdades de tratamento e acesso nos cuidados primários, com a generalização das Unidades de Saúde Familiar (USF) e reforço das redes de referenciação. Dimensionar os centros de saúde para uma resposta local efetiva, com capacidade para gerir os seus utentes numa ótica de saúde comunitária e com respostas diferenciadas e em articulação com a comunidade;

  • Melhor acesso aos cuidados de saúde. Todos os anos ficam por realizar cerca de 2 milhões de consultas e de tratamentos porque os e as utentes não conseguem pagar as taxas moderadoras ou o transporte não urgente. Estas são barreiras de acesso que é urgente eliminar. É também preciso combater as listas de espera para consultas e cirurgias com a contratação e fixação de mais profissionais no SNS;

  • Acesso a medicamentos com aposta na produção do Estado. São muitos os exemplos de medicamentos que são retirados do mercado porque a indústria deixa de ter interesse comercial nos mesmos ou de medicamentos que são comercializados a preços excessivamente elevados, dificultando a introdução de novos medicamentos nos países. Portugal tem capacidade instalada para a produção de medicamentos e outros produtos de saúde para uso humano. É preciso investir nessa estrutura e promover a sua articulação com a investigação que se faz em universidades e centros de investigação. Transformar o Laboratório Militar num laboratório nacional de produção de medicamentos e articulá-lo com a investigação científica que se faz em Portugal melhorará o acesso a medicamentos e produtos de saúde;

  • Reforçar a resposta em saúde mental, oral e outras no âmbito dos cuidados de saúde primários. Reforço das equipas multidisciplinares de saúde mental nos Cuidados de Saúde Primários, com aumento significativo do número de psicólogos, ajustado às necessidades dos utentes; cumprir o Plano Nacional de Saúde Mental, dotando-o do orçamento necessário, destacando-se a implementação urgente das equipas de saúde mental na comunidade, bem como os cuidados no domicílio que envolvam as e os utente, cuidadores e a sua família;

  • Apostar na Saúde Pública para um SNS do século XXI. A Saúde Pública é a resposta da sociedade à necessidade da salvaguarda da saúde e bem-estar dos indivíduos e das comunidades. Enquanto corpo organizado do conhecimento, a Saúde Pública integra o saber das mais diversas áreas - desde a Medicina e a Epidemiologia, passando pelas Ciências Aplicadas, Estatística, Demografia, Sociologia, Direito, etc. A Moderna Saúde Pública entende a saúde como um recurso que deve ser corretamente "gerido". Sendo os cuidados de saúde um dos determinantes de saúde, o planeamento em saúde (e a epidemiologia do planeamento) é uma das áreas mais relevantes da Saúde Pública do século XXI;

  • Prevenção e promoção. O Plano Nacional de Saúde termina em 2020 e começa agora um novo ciclo de planeamento que deve aprender com a avaliação do que foi realizado. A promoção da saúde, a prevenção da doença e o desenvolvimento de um paradigma de saúde em todas as políticas que alterem os determinantes de saúde são condições essenciais para baixarmos a carga de doença da população e, em simultâneo, aumentar a qualidade de vida em todas as fases da sua vida. É preciso investir mais do que os atuais 1% do orçamento do SNS em prevenção da doença e promoção da saúde e é preciso criar planos com medidas concretas e com execução monitorizável mensalmente;

  • O investimento na Saúde deve estender-se a todos os organismos públicos de saúde em Portugal, como o caso do INEM. Este instituto é fundamental na resposta de emergência pré-hospitalar, mas tem vivido com enorme défice de trabalhadores. É necessária a contratação de pelo menos 400 trabalhadores para o INEM, entre técnicos de emergência pré-hospitalar, enfermeiros, psicólogos e médicos, e é preciso que se institua um concurso de contratação a abrir anualmente, de forma a repor os profissionais que tenham abandonado o Instituto no ano anterior;

  • Reforço das redes de Cuidados Continuados e de Cuidados Paliativos, reforçando o número de camas públicas existentes no país e reforçando tipologias ainda inexistentes, como é o caso dos cuidados continuados de saúde mental.

Apostar na Saúde Pública para um SNS do século XXI. A Saúde Pública é a resposta da sociedade à necessidade da salvaguarda da saúde e bem-estar dos indivíduos e das comunidades.

Aumentar o orçamento é uma questão de saúde

Portugal destina apenas 6% do seu PIB à despesa pública em saúde. Se falarmos do orçamento do SNS, essa percentagem é inferior a 5% do PIB. Em ambos os casos bastante abaixo da média dos países da OCDE (6,6%) ou da média dos países da União Europeia (7,8%). A falta de investimento compromete a qualidade de resposta do SNS e aumenta a despesa com contratualizações. Só em 2018, o SNS gastou mais de 473 milhões em exames de diagnóstico comprados a privados.

Cerca de 40% do orçamento do SNS (3 922 M€ num total de 10.201 M€) vai para fornecimentos e serviços externos. Era dinheiro que poderia estar a ser aplicado no próprio SNS, mas que está a ser utilizado para financiar atividade privada.

Só a gestão privada dos hospitais públicos – as chamadas PPP – consomem cerca de 500 milhões de euros por ano ao SNS. Para além deste valor, os grupos económicos a operar na área da saúde aproveitam esta situação para desviar profissionais do SNS para os seus hospitais privados e para fazer circular utentes entre setores.

Em 2015 houve 114 médicos e médicas recém-licenciados que ficaram impedidos de aceder à especialidade; em 2016, esse número aumentou para 158, em 2017 para mais de 300 e em 2018 para quase 700. Se nada for feito, o país continuará a desperdiçar, sem sentido, profissionais que são muito necessários ao SNS. Acrescem a estes exemplos os milhares de profissionais que anualmente são formados nas áreas de enfermagem, diagnóstico e terapêutica, entre outras, e que não são contratados para o serviço público de saúde.

Portugal tem uma esperança de vida acima da média europeia (81,3 anos contra 80,9 anos); no entanto, a população tem muito poucos anos de vida saudável após os 65 anos (os homens têm 7,9 e as mulheres 6,7 anos, bastante abaixo da Suécia, Malta, Espanha ou Dinamarca, onde estes anos de vida saudável variam entre os 10 e os 15). A carga de doença poderia ser evitada ou minorada se houvesse mais prevenção da doença e promoção da saúde.

Sim, é possível

É possível ao SNS ter um maior orçamento, que convirja para a percentagem do PIB que é a média do conjunto de países da OCDE ou da UE, por exemplo. Se esse aumento do orçamento se aplicar em investimento e reforço de resposta do próprio SNS, então também será possível utilizar os recursos de forma mais racional em vez de gastar milhares de milhões comprando prestações de serviços a privados. É possível ter mais profissionais no SNS, melhorando as condições de trabalho, abrindo concursos para contratação e aproveitando os excelentes profissionais que são formados em Portugal.

É possível termos um SNS que promova mais saúde e mais qualidade de vida, desde que se aposte mais na prevenção da doença e na promoção da saúde, desígnio que tem de merecer mais de 1% do orçamento do SNS e que tem de passar por uma maior aposta nos cuidados de saúde primários, a começar pela atribuição de uma equipa de família a todos os utentes.

Participa
Quero receber as notícias do Bloco:
no whatsapp
no email
Ao recolher os teus dados para a sua lista de divulgação, o Bloco de Esquerda assegura a confidencialidade e a segurança dos mesmos, em cumprimento do RGPD, garante que nunca serão transmitidos a terceiros e apenas serão mantidos enquanto desejares, podendo solicitar-se alteração ou cancelamento através do e-mail Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Programa eleitoral
2019-2023
  • R. da Palma, 268
    1100-394 Lisboa, Portugal

  • E | Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

    T | (+351) 213 510 510

segue-nos